quinta-feira, 4 de agosto de 2016

A tocha é nosso bode expiatório


Os brasileiros estão confusos com o cenário político, não somente isso, estão desesperançosos. Os vermelhos e os azuis se sentem derrotados. Os defensores do governo Dilma porque houve o impeachment, alguns dos defensores da deposição porque Temer ocupou o poder. Outros preferem acreditar que o país está sendo melhor conduzido e que houve algum combate à corrupção. Tem que se esforçar muito pra fazer essa leitura.

Diante da repressão autoritária das polícias às manifestações, o que tem acontecido é uma mudança de alvo. As pessoas estão atacando os símbolos. Assim foi com o “pixuleco”, com o tatu bola da copa e agora com a tocha olímpica. Acredito que faz parte do pacifismo ou mesmo do comodismo que caracteriza a cultura brasileira. Muitos dos que furaram o boneco inflável do Lula são incapazes de jogar uma pedra na vidraça da Fiesp (patrocinadora dos bonecões) ou de jogar a pedra no presidente da Fiesp.

Quem atacou o tatu da copa também não seria capaz de ferir o governador do seu estado, mesmo sabendo que boa parte dos desvios de recursos das obras para o mundial de futebol foram desviados pelos governos estaduais. Da mesma forma protestam agora contra os gastos olímpicos sem atingirem Eduardo Paes, Pezão, Dilma ou Michel Temer. A indignação com a Tocha também está relacionada à insatisfação com o presidente usurpador.

Mas porque a chama que representa a união dos povos em torno do pacifismo esportista está sofrendo os ataques? A tocha representa algo muito positivo, o movimento, a vida, a cooperação. Não acho que os protestos contidos na ação de apagar a tocha sejam em vão, mas eles desperdiçam nossa energia focando no personagem errado. Está claro que existe uma insatisfação imensa com a forma que as obras foram realizadas, excluindo os pobres e favorecendo os empresários, geralmente doadores de campanha.

As empresas envolvidas nos casos de corrupção não sofreram pichação das fachadas, nem jogaram ovo podre em seus diretores, são elas que mais lucram. Mesmo quando o político ganha sua propina por facilitar um negócio, o lucro maior está no próprio negócio. Ficamos indignados com os agentes públicos corruptos, mas e as empresas? Só estão fazendo seu papel de tentar se dar bem no jogo dos negócios? A partir disso é possível perceber que mesmo um governador corrupto ainda é um bode expiatório no desmanche de um esquema de corrupção.

Nossa indignação precisa ser guiada para os nós dessa trama. Atacar o símbolo olímpico não deixa clara a mensagem. Acho agora que devemos deixar a tocha seguir, vale o gesto de tirar o chapéu em respeito ao dinheiro público queimado na chama que passa.