segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Meu colega bicha da 1ª série

Quando eu tinha seis anos, na primeira série, anunciei em casa na maior tranquilidade: tem um menino na minha sala que é bicha. Meus pais arregalaram os olhos e me deram um longo sermão sobre Deus ter criado homens e mulheres. Eu não vi nada demais em falar. Era como se eu tivesse falado que tem um menino na minha sala japonês ou que tem um ruivo.

Até parece que eu não sabia ainda que existem bichas no mundo. Claro que eu sabia. Achei estranha a postura dos meus pais. Diante do que eu contei e a partir do comportamento deles com outros assuntos, eu esperava que eles dissessem algo do tipo:

- Como você sabe que ele é bicha? Você não chama ele de bicha, não é? Se os meninos tratarem ele mal, conte pra professora.

Era assim que meus pais eram, acolhedores e defensores da justiça. Mas porque agiram diferente em relação a isso?

Só mais tarde eu fui entender. Eu, bom menino e gentil com quase todo mundo, era delicado demais e na visão deles, podia “desviar” meu caminho. Mas fui educado por eles mesmos para ser pacifista, polido e gentil. Era como se eles estivessem me reprogramando: seja doce, mas seja homem.

Com ele eu só brinquei de apostar corrida no pátio da escola. Percebi que na hora de tocar no poste e voltar ele tinha toda uma elasticidade diferente. A tal da malemolência.


Só entendi a preocupação dos meus pais mais tarde na adolescência, quando eu estava verde demais pra me defender de brincadeiras com empurrões e cuspe. Voltando à primeira série, sem saber o que fazer depois de um sermão tão longo, deixei de brincar com o menino.

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