quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Manifesto ou manifestação?

Não culpo a imprensa. Foram tantos eventos nesse ano com propósitos diferentes que ninguém estava acostumado a cobrir. Na labuta diária de cortar palavras, substituir por outra para evitar a repetição, acaba acontecendo um equívoco.

As manifestações dos 20 centavos, Passe Livre, “vem pra rua”, revolta da salada… (ninguém tem uma palavra pra nomear esse fenômeno) levaram comentaristas políticos à derrocada e jornalistas bem-intencionados ao deslize.

Que deslize é esse de que falo? Chamar manifestação de manifesto. São coisas bem diferentes. Manifestação é opinião, ou o ato de opinar, de expressar. É uma ação que pode ser apenas uma fala ou milhões de pessoas na rua pedindo a cabeça do rei.

Manifesto é um texto escrito, nada diferente disso, com a função de conclamar pessoas a fazer algo. Por isso, um manifesto pode resultar numa manifestação. Mas uma coisa é diferente da outra.

Manifestos famosos são o Comunista, escrito por Karl Marx e Frederick Engels; o Manifesto Mangue Bit, escrito por Chico Science e Fred Zero Quatro, o Manifesto Ciborgue, de Donna Haraway… Todos esses são textos com a função de levar seus leitores a uma nova postura.

Depois do “vem pra rua” os sindicatos, associações, até prefeitos passaram a ter postura mais afirmativa diante de negociações. Aconteceram greves, negociações, acampamentos… Tudo isso são manifestações.

Em Linguística, como na Semiótica, vemos que tudo que comunica é texto. O cartaz publicitário que tem uma frase curta sobre uma foto, diz mais do que a frase simplesmente. O filme de Chaplin, mesmo sendo mudo, tem mensagens em forma de texto visual. Por isso podemos dizer que a “manifestação” também escreve um “manifesto” quando passa ruidosa com seus cartazes. Mas esse texto é escrito por muitas mãos.

Nós, que temos a palavra como ferramenta de trabalho, sabemos que escrever com mais alguém pode ser mais difícil que sozinho, que o texto alterado por outra pessoa pode ficar truncado. Agora imagine milhares de pessoas, cada um carregando a sua frase.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Aulas de sonho

Sempre fui um sonhador habilidoso. Tive sonhos repetidos desde muito pequeno e tinha dificuldade de sair deles. Assim, pensava muito nos sonhos, ficava acordado pensando no que sonhei e porque sonhei com aquilo. Por isso li muito sobre o tema. Na verdade não li tanto porque não existem tantos livros relevantes.
Aí você vai me perguntar: e Freud?

Não vá por aí. Freud inicia muito bem sua interpretação de sonhos quando afirma que sonhamos com o que tememos e com o que desejamos. Os desejos e temores não se revelam de forma explícita. Mas Freud desanda quando quer dar objetividade nessa interpretação.

Outro livro importante (para mim é mais valioso que Freud) é o de Carlos Castañeda, inspirado também nas lições de seu mestre Don Juan. Nessa obra o autor expõe conceitos da energia vital que nos preenche. O ponto de aglutinação pode ser fortalecido e até movimentado de acordo com o desenvolvimento de cada um.

Baseado nesse, cheguei à conclusão de que lugares podem ser favoráveis a certos sonhos. Dormir em camas diferentes, favorece os sonhos com fartura. Mas o valor que você atribui a esse lugar é o mais importante.

Fartura
É uma propriedade do sonho. Um sonho é mais ou menos farto dependendo da quantidade de pessoas, de lugares, novidades e complexidade.

Duração
Tem sonhos que você só sabe que viu alguém. Tem outros em que você vive numa realidade com um longo passado, onde você parece ter vivido muito tempo. As vezes dá para você encontrar alguém no início do sonho, passar por uma grande aventura e voltar para contar da aventura à mesma pessoa.

Absurdo
Essa é uma das propriedades mais deliciosas do sonho, possível somente nesse mundo. Numa situação absurda você dobra a esquina numa cidade e vai para uma avenida de outra cidade. Esse é um nível básico de absurdo, como quando alguém se torna outra pessoa.
O mais bacana é voar ou sonhar com alienígenas, pessoas com cabeça de animais ou animais que falam.

Detalhes
Sabe quando você sente a textura do sofá, vê o vento balançando nas plantas ou as sardas no rosto de alguém? Essa propriedade é também encantadora e leva você para uma outra:

Realismo
Pra estar num sonho que parece realidade você precisa estar num estado profundo, num dos níveis de maior imersão onírica possíveis. O sonho real tem detalhes, tem longa duração mas dificilmente tem absurdos.

Camadas
Geralmente só os sonhadores habilidosos sonham em camadas. Um ou mais sonhos dentro do sonho.  Já ouvi relatos de outros sonhadores de aprofundarem-se em duas camadas. Não mais que isso. Se você viu o filme Inception, deve ter achado incrível sonhar que está sonhando.

Medo
Perceba que um pesadelo é como um filme de terror, tem uma aura pesada, uma trilha sonora, um ambiente propício ao desagradável.
Eu tenho uma simples recomendação para quem tem pesadelos frequentes: não tema. Saiba que acordar é o suficiente para que as cobras desapareçam, para se livrar do perseguidor ou sair daquele cemitério.
Há quem diga que é possível reverter um pesadelo em sonho bom, eu nunca consegui. Mas me mantenho no pesadelo para ver até onde eu suporto.

Tem mais, conte seu pesadelo para as pessoas próximas. Mas aí vem um truque que Freud ensinou, procure saber o que, na sua vida, tem relação com o pesadelo. Se você tem segredos cabeludos, isso vai ser mais difícil, mas encontrar alguém pra quem contar o problema e o pesadelo vai lhe ajudar a "sonhar com os anjos". Nunca sonhei com anjos, mas gosto muito do meu universo onírico.

É possível sonhar mais ou sonhar melhor?

É possível. Se você gostou do texto, comente, conte seu sonho. Depois vou propor exercícios.

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Como encobrir as causas do desmatamento: a intenção por trás da notícia


A notícia é a seguinte “Derrubada de árvores em reservas indígenas tem conivência de tribos”. O título é alarmista e generaliza a prática, como se a exploração madeireira fosse comum em todas as Terras Indígenas. A matéria é bem mais cuidadosa que a chamada e do que o texto na página online do Jornal Nacional. Ela fala exploração de índios por madeireiros e das necessidades do povo Cinta Larga. O repórter destaca que a Terra Indígena é um pedaço de floresta em meio a fazendas de gado onde só há pasto.

Há alguns equívocos como chamar “Cintas largas”, ou se referir à aldeia como tribo. O termo não é mais usado para falar de povos indígenas. No lugar dele podem ser usados povo, etnia e aldeia. Mas há mais acertos que erros na matéria do grande repórter, Jonas Campos.

O que impressiona é que a matéria é velha, foi exibida no telejornal local a cerca de quatro meses. Jonas Campos nem mora mais em Mato Grosso nem faz matérias para a afiliada local da Rede Globo. Ele mudou-se para Porto Alegre e trabalha na RBS, também componente da mesma rede.

Porque uma notícia antiga está sendo apresentada para todo o Brasil num telejornal da Rede Globo?

Nessa semana saíram os dados do desmatamento da Amazônia , que apresentou um crescimento de 28% em relação ao ano passado. Só pra deixar mais claro, quando anunciam que o desmatamento foi reduzido significa que a velocidade da destruição foi diminuida, mas a floresta continua a ser destruída. Quando os dados de desmatamento indicam um aumento, a área destruída é maior que a do período passado. Então temos o que foi destruído em 2012 mais o que foi destruído em 2013 (28% a mais).

Nesse mesmo levantamento Mato Grosso apontado como responsável de 52% da degradação florestal. Logo depois, Isabela Teixeira, ministra do Meio Ambiente, deu uma entrevista coletiva afirmando que é uma irresponsabilidade relacionar o aumento do desmatamento com o novo Código Florestal.

Lembram disso? A mudança no Código Florestal causou uma comoção nacional em 2012. Até a atriz global, Camila Pitanga pediu veto da presidente Dilma ao projeto de lei. O novo código permitiu desmatamentos maiores e até a redução das áreas de mata ciliar, perdoou as multas de desmatadores. Com a mudança da lei o desmatamento pode chegar bem mais perto do rio, diminuindo a área de floresta que protege os cursos d’água de assoreamento.

Como a reforma do código teve apoio do PT e do PCdoB, Isabela Teixeira quis tirar do governo a culpa pelo aumento do desmatamento. Agora eu pergunto: culpar o Código Florestal é irresponsável ou foi irresponsabilidade alterar o código?

A exibição tardia

Nós sabemos que a Rede Globo de televisão é parceira dos grandes grupos econômicos e, apesar de posar de moralista, a Globo é conivente com corruptos e com a classe ruralista (empresários e políticos). É muito conveniente agora trazer a matéria antiga, sugerindo que o desmatamento de toda a Amazônia foi promovido por ações assim. Todos sabem que a maior fatia do desmatamento acontece para ampliação dos pastos e áreas de cultivo de grãos, esses dados são afirmados por ONGs que monitoram o desmatamento como o ICV e o Ipam. São confirmados por institutos federais como o próprio Ibama e o IBGE.

Não houve mentira no tratamento da notícia dada pelo repórter, mas trazê-la para exibição fora de contexto, sem sequer lembrar que a notícia é fria, é uma desonestidade com o espectador desavisado. Na verdade qualquer problema socioambiental apresentado sem a devida contextualização histórica vai apresentar uma parte da questão. Não é possível falar dos Cinta-Larga, por exemplo, sem falar que muitos foram assassinados para tirar madeira e diamantes das suas terras e que, por isso, muitos decidiram resolver seus problemas com o mesmo dinheiro que a nossa sociedade usa para manipular pessoas e ideias.

Se quiser conferir, a matéria está aqui.