Não culpo a imprensa. Foram tantos
eventos nesse ano com propósitos diferentes que ninguém estava acostumado a
cobrir. Na labuta diária de cortar palavras, substituir por outra para evitar a
repetição, acaba acontecendo um equívoco.
As manifestações dos 20 centavos,
Passe Livre, “vem pra rua”, revolta da salada… (ninguém tem uma palavra pra
nomear esse fenômeno) levaram comentaristas políticos à derrocada e jornalistas
bem-intencionados ao deslize.
Que deslize é esse de que falo?
Chamar manifestação de manifesto. São coisas bem diferentes. Manifestação é
opinião, ou o ato de opinar, de expressar. É uma ação que pode ser apenas uma
fala ou milhões de pessoas na rua pedindo a cabeça do rei.
Manifesto é um texto escrito, nada
diferente disso, com a função de conclamar pessoas a fazer algo. Por isso, um
manifesto pode resultar numa manifestação. Mas uma coisa é diferente da outra.
Manifestos famosos são o Comunista,
escrito por Karl Marx e Frederick Engels; o Manifesto Mangue Bit, escrito por Chico Science e Fred
Zero Quatro, o Manifesto Ciborgue, de Donna Haraway… Todos esses são textos com
a função de levar seus leitores a uma nova postura.
Depois do “vem pra rua” os
sindicatos, associações, até prefeitos passaram a ter postura mais afirmativa
diante de negociações. Aconteceram greves, negociações, acampamentos… Tudo isso
são manifestações.
Em Linguística, como na Semiótica,
vemos que tudo que comunica é texto. O cartaz publicitário que tem uma frase
curta sobre uma foto, diz mais do que a frase simplesmente. O filme de Chaplin,
mesmo sendo mudo, tem mensagens em forma de texto visual. Por isso podemos
dizer que a “manifestação” também escreve um “manifesto” quando passa ruidosa
com seus cartazes. Mas esse texto é escrito por muitas mãos.
Nós, que temos a palavra como
ferramenta de trabalho, sabemos que escrever com mais alguém pode ser mais
difícil que sozinho, que o texto alterado por outra pessoa pode ficar truncado.
Agora imagine milhares de pessoas, cada um carregando a sua frase.